Numa altura em que todos preparávamos para ultrapassar as adversidades da pandemia (Covid-19), empenharmo-nos na recuperação económica e prepararmo-nos para enfrentar as consequências deste duradouro período de pandemia, eis que constatamos o reacender de um conflito (que já é antigo). De repente, o Covid-19 parece ter deixado de ser um problema comum, passando a ser secundarizado em detrimento de um outro evento.
Por António Viegas Bexigas (*)
O inesperado aconteceu e a Rússia invadiu o território ucraniano. É necessário precisarmos, desde logo, que a acção da Rússia com a entrada no território ucraniano, constitui uma violação grosseira à soberania de um Estado de direito e é, manifestamente, um incumprimento dos princípios basilares do Direito Internacional. A diplomacia falhou e com ela, falhou também a nova ordem mundial pela incapacidade na manutenção da paz no mundo.
A carta das Nações Unidas é clara nos seus objeCtivos e é explícita quanto ao uso da força por parte dos Estado membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Acontece, porém, que a agressão russa, poderia até ser alvo de alguma intervenção militar por parte da ONU, caso não fosse a Rússia Estado membro do conselho de segurança e não tivesse como aliada a China (igualmente Estado membro do conselho de segurança com direito e poder de veto). Nestes termos, praticamente ficam limitadas as acções da ONU.
Origem:
É importante termos em consideração que a Ucrânia está localizada num território que fez em tempos, parte da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), dissolvida em 1991. Ora e aí reside a origem do problema, tudo indica estarmos perante uma tentativa russa de reconstruir o seu “espaço vital”. Acrescendo a isso, está o fato da Rússia ser contra a entrada da Ucrânia na NATO (OTAN), o que no contexto russo, constitui uma ameaça face a aproximação à sua zona de influência (Leste europeu e a eurásia).
O reconhecimento por parte da Rússia das duas regiões separatistas (Donetsk e Lugansk), foi a gota d´água, num conflito que já se vinha sentindo a algum tempo. Pese embora as imagens relatem o contrário, é de salientar e reter que, por parte da Rússia o argumento é que, “trata-se de uma ação militar especial de manutenção da paz”, prevista na carta da ONU, o que caracteriza a estratégia maquiavélica da Rússia (que é conhecedora plena das regras do sistema internacional).
Motivações:
Em primeira instância, a Rússia tem como objectivo depor o actual poder político instaurado na Ucrânia. Para Putin, o Governo de Zelensky (Presidente da Ucrânia), por ser pró-ocidental, não corresponde aos seus anseios, logo é um potencial alvo a abater. Outrossim, a necessidade de garantir que haja na Ucrânia uma certa neutralidade, em termos geopolíticos, permitindo que não adira à NATO, o que confere maior comodidade ao stablishmen russo.
É preciso compreendermos que esta acção russa surge num momento ímpar no cenário internacional: por um lado temos toda a Europa que tenta sair de uma crise sanitária (de 2 anos), às eleições presidenciais na França, a mudança de liderança na Alemanha e a saída da Inglaterra da União Europeia (Brexit); e por outro lado, temos os Estados Unidos da América (EUA), que tem direccionado a sua política para o interior do país e que tende a reduzir e terminar as suas missões militares no mundo (por exemplo: retirada das tropas do Afeganistão). Por conseguinte, há, porém, uma necessidade da Rússia de estar no centro das relações internacionais, de se assumir como sendo o principal player no sistema internacional e instaurar desta forma uma nova ordem mundial.
Problema de fundo:
O ocidente que é manifestamente apologista do diálogo, da cooperação internacional e da resolução dos litígios pela via pacífica, tem reagido à agressão russa, com sanções económicas (congelamento de activos) às principais individualidades e empresas russas, exclusão de alguns bancos russos do sistema SWIFT. Ora, esta metodologia, por mais importante e juridicamente legal que seja, não só se manifesta pouco eficiente, como também parece-nos ter um efeito negativo do lado ocidental, basta vermos o facto de que o sistema energético da Alemanha (e boa parte da Europa) é bastante dependente do gás proveniente da Rússia e sobretudo porque a Rússia já tem alternativas eminentes (mormente através do seu parceiro Chinês).
A situação na Ucrânia não se resolverá com uma intervenção militar da NATO, pois a Ucrânia não faz parte do tratado, logo não se poderá accionar o famoso Artigo 5.º que afirma que em situações de ataque armado, ( … será considerado um ataque a todos, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou colectiva, reconhecido pelo artigo 51. ° da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacada. – (Tratado do Atlântico Norte). Ou seja, se houver um ataque militar à 1 Estado membro da NATO, considerar-se-á um ataque a todos os Estados membros e a resposta poderá ser imediata com o accionar do mesmo Artº 5.
Consequências a nível Global:
A medida em que o sistema internacional tem-se tornado dependente das acções das grandes potências, a crise económica e comercial afigura-se cada vez mais provável. É certo que crise económica e financeira mundial que já vivemos (por causa da pandemia), poderá vir a agravar-se com o prolongar desta invasão russa, e a medida que se for arrastando, mais complicado será a recuperação económica.
No contexto dos Estado pequenos, pobres e insulares, o efeito poderá vir a ser ainda mais catastróficos, dado que já existem inúmeras debilidades económicas que é fruto das vulnerabilidades existentes e com esta acção russa os efeitos poderão vir a ser sentidos em todo o mundo (directa ou indirectamente).
Em suma, tudo indica que iremos continuar a acompanhar o evoluir desta situação (sem poder desencadear grandes acções), porém, necessário se torna pontuarmos que a Rússia seguiu o mesmo percurso recentemente com a anexação da Crimeia e nada foi capaz de impedi-la. O envio de materiais militares por parte do ocidente (União Europeia, Reino Unido e os EUA) à Ucrânia, é no nosso entender o fomentar de uma situação de conflito já existente, portanto o caminho a seguir pelo ocidente, será o de zelar pela resolução dos diferendos pela via pacífica em estrito cumprimento da Carta das Nações Unidas e dos princípios do Direito Internacional, pese embora a situação exija mais audácia diplomática.
Todos os grandes conflitos que o mundo conheceu ao longo dos tempos, foram sempre originados pela vontade exacerbada de expansão territorial e com isso a obtenção e manutenção do poder, esperemos que não haja uma internacionalização deste conflito, pois aí sim, estaremos perante uma guerra mundial. Que deus proteja e ajude o povo ucraniano (enquanto principal vítima) a ultrapassar esta fase, que a paz prevaleça!
(*) Mestre em Direito Internacional e Relações Internacionais na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
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